segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Na morte de Armando Rafael

A blogoesfera segue um princípio clássico do jornalismo: a proximidade – melhor dito, o círculo de proximidades - determina a relevância do que é tema de conversa. É interessante porque os blogs criticam muito os critérios de escolha dos meios de comunicação clássicos – mas na hora da verdade, reagem da mesmíssima maneira... São humanos, digo eu.
Não admira, por isso, que num período cheio de acontecimentos no universo, por exemplo, internacional, acabe por ser a morte de um jornalista português a mobilizar muitos, mesmo muitos bloggers.
Armando Rafael, até há meses jornalista do DN, chefe de gabinete de António Costa na Câmara Municipal de Lisboa, era um bom jornalista mas também, e sobretudo, um homem bom. Tinha apenas 44 anos. Morreu subitamente, a trabalhar. Sem aviso prévio. Cedo demais.
O facto chocou os colegas, os amigos. Mário Bettencourt-Resendes, por exemplo, voltou ao blog Bicho Carpinteiro:
“Depois de uma longa ausência, regresso pelos piores motivos: morreu um amigo. O Armando Rafael merecia que a vida lhe tivesse dado tempo para que chegasse onde merecia e tinha talento para estar. Era culto, sabia que o mundo não acaba nas nossas fronteiras, tinha um enorme sentido de humor, gostava das coisas boas que a vida tem. Frontal, mas sempre solidário; espírito independente, lealdade irrepreensível, ao lado dos amigos nas horas difíceis”.
Pedro Correia, também um jornalista do DN, no Corta Fitas: “Como muito bem escreveu o Duarte Calvão, todas as mortes são estúpidas, mas algumas são tão estúpidas que nos deixam completamente atordoados.”
Francisco José Viegas, Origem das Espécies: “Fico sem nada para dizer. Rigorosamente nada. Desprotegido. Com a sensação de que estamos todos reduzidos ao silêncio. Mas sobretudo desprotegido. Sem nenhuma explicação”
Miguel Laranjeiro, no blog Geração Sol: “No jornalismo, a preocupação com o rigor que punha em tudo o que fazia, era exemplo para os colegas mais novos. A capacidade de agregar equipas e criar um ambiente de trabalho gratificante era uma arte que desempenhava como poucos.”
Alexandre Brandão da Veiga, no blog Geração de 60, tem um texto notável, apesar de parecer frio e mesmo cruel: conta histórias da sua relação com Armando Rafael e publica uma frase extraordinária: “Era de uma total inconsistência intelectual e um poço de lugares comuns, pelo que não me espantei que tivesse ido para o jornalismo e seguisse a sua veia política.” Parece que Armando chamava a Alexandre “aristocrata reaccionário” – e tinha toda a razão do mundo. Quem será este Brandão da Veiga? Não sei...
Sofia Galvão, num comentário a este post do blog Geração de 60, escreve sobre Armando Rafael: “Era um homem de causas e de intervenção. As suas opções eram claras e conhecidas. Mas nunca foi sectário, nunca se fechou aos outros e ao que era diverso. Testemunho-o, sem hesitação, e com a autoridade de quem não navegou nas suas águas”.
Enfim, mais à esquerda, mais à direita, a morte de Armando Rafael deixou a blogoesfera – porventura a mais militante, mais ligada ao jornalismo e à política -, triste e atordoada. Não é para menos. O que entretanto mudou no mundo é essa possibilidade real de podermos partilhar com os outros, em tempo útil, a dor, a tristeza, o sentimento profundo. Partilho-o com quem ficou assim, sem jeito, no fim-de-semana que passou. “Desprotegido”, também eu.

1 comentário:

mozambique disse...

SAVANA Maputo 16.11.07

Armando Rafael

Um ataque cardíaco fulminante, no último sábado, levou do mundo dos vivos o jornalista Armando Rafael, nascido à 45 anos em Nova Mambone, norte de Inhambane.
Rafael não vivia em Moçambique. Há data da sua morte era chefe de gabinete de António Costa, o edil da capital portuguesa com quem compartilhava a filiação no Partido Socialista.
Mas onde Rafael se tornou mais conhecido foi nas páginas do Diário de Notícias, um dos jornais de referência em Portugal e onde chegou a ocupar a chefia da editoria de assuntos internacionais. Apaixonado por temas africanos, logo a seguir ao Acordo Geral de Paz, em 1992, veio a Moçambique e foi a Nova Mambone acompanhado pelo director do SAVANA. O pai de Rafael chefiou no tempo colonial a missão de luta contra a mosca do sono naquela região.
Também colaborador irregular das publicações da Mediacoop (quinta-feira última foi uma das fontes a confirmar-nos a impossibilidade de José Sócrates vir ao Songo para as cerimónias da HCB), Armando Rafael deixa um sem número de belas recordações para um punhado de jornalistas desta casa.