terça-feira, 6 de novembro de 2007

Sinistralidades

Uma infeliz sequência de acidentes de trânsito graves devolve à praça pública o debate sobre a sinistralidade, e as medidas que governos sucessivos têm tomado e que resultam, em geral, em mais multas e receitas para o Estado. No resto, como se vê, nada muda.
Procuro no blogoesfera reflexões sobre o tema e acabo por descobrir blogues que se dedicam, justamente, às causas e coisas do trânsito e da estrada.
“Menos um Carro”, por exemplo, assume-se como um “blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas” – e é lá que percebo que a politica de pura caça à multa têm mesmo apoiantes:
“Tudo o que tem sido feito em termos de prevenção rodoviária (campanhas choque, tolerâncias zero, fiscalização mais apertada, penas mais elevadas (...), radares, etc...) tem valido a pena, invalidando assim as críticas de muita gente que gosta de pôr as culpas no mau estado das estradas e outros lugares-comuns semelhantes”.
Num sentido bem diferente descubro o blogue de Penim Redondo, Radares 50-80, onde está o apelo “Multados, irritados, fartos de arbitrariedades e cansados de engarrafamentos, UNI-VOS”.
Parece a brincar mas é a sério: o autor assume o politicamente menos correcto e olha os factos de outra forma:
“O lamentável acidente (...), junto ao Terreiro do Paço, (...) foi imediatamente aproveitado para uma campanha despudorada por parte dos fundamentalistas do costume. Sem cuidar de esclarecer as circunstâncias e causas do acidente, (...) partiu-se imediatamente para as acusações do costume aos automobilistas em geral, para a divulgação de números falaciosos e para a apresentação das soluções milagrosas.”
Menos habitual, mas muito certeira, é a reflexão que a jornalista Helena Matos deixa no blog Blasfémias:
“Os jornais de referência, escreve, têm um entendimento snob da vida. Assaltos e atropelamentos são coisas que não lhes interessam. A não ser que o assaltado seja um banco ou que o atropelamento aconteça no Terreiro do Paço. Infelizmente o que aconteceu este fim-de-semama no Terreiro do Paço está longe de ser um facto inédito. Inédito é causar indignação. E ser notícia destacada. Experimente-se colocar a palavra atropelamento no site do "Correio da Manhã" e descobrem-se inúmeros casos similares”.
Helena Matos exibe de seguida uma lista generosa de casos semelhantes que não foram notícia porque se passaram longe de Lisboa.
Já o acidente de ontem na A23 seria necessariamente notícia pela sua dimensão e não cabe nesta análise até por não ter ainda reflexos na blogoesfera.
No fim, acabo por parar e pensar neste testemunho de uma professora no blog “Da Planície”:
“Hoje, durante uma saída com os meus alunos, precisávamos de atravessar uma rua e eu fazia as recomendações habituais de irmos passar numa passadeira para peões, apesar de tornar o caminho mais longo. E diz-me logo um, que é o mais espevitado de todos "Oh professora, isso nem vale a pena porque o meu pai diz que os carros até gostam mais de passar por cima de quem vai nas passadeiras!". Fiquei de cara à banda”.
Não é caso para menos. Em escassos 5 dias, 3 acidentes reabrem o debate e deixam tudo em aberto: estado das ruas e estradas, politicas de prevenção, caça à multa. Tudo de novo em cima da mesa.

6 comentários:

Miguel Carvalho disse...

Só para colocar a minha frase no Menos um Carro no contexto: o "isto" no início refere-se à diminuição constante, forte e sustentada da sinistralidade automóvel em Portugal.

Miguel Carvalho disse...

Tem piada que reli o que escrevi, e em lado nenhum está escrito que concordo com a "pura caça à multa".
Mas de jornalistas não se espera objectividade

PRD disse...

"tudo o que tem sido feito em termos de prevenção rodoviária (campanhas choque, tolerâncias zero, fiscalização mais apertada, penas mais elevadas com o novo código da estrada, radares, etc...) tem valido a pena" - escrito por si, Miguel. Isto a que chama "prevenção" é pura caça à multa. Com calma e tempo explico-lhe melhor que prevenção é ruas bem sinalizadas, obras bem assinaladas, estradas bem construídas (sem a corrupção e alterar-lhe as curvas para poupar no alcatrão...), policias atentos e solicitos e não policias de bloco na mão às esquinas. Vê-se que não conduz, Migel - escrevo eu, que conduzo há mais 20 anos, sem acidentes no curriculo, e deixo o carro em casa sempre que saio à noite e bebo uma cerveja que seja.
Tenho por principio nunca responder a comentários neste blog, mas como usa a minha profissão para a denegrir, teve de ser...
Cumprimentos, Pedro Rolo Duarte

Miguel Carvalho disse...

Peço desculpa por ter respondido a quente, mas senti que pôs palavras que não são minhas na minha boca.
Implicitamente reconhece que eu lado nenhum defendi a pura caça à multa, ao admitir que onde eu escrevo "prevenção" o senhor leu "caça à multa".

Vê-se que não conduzo?

Miguel Carvalho disse...

Voltando a um tom mais adequado, queria dizer que concordo obviamente consigo quanto a essas medidas.
O que escrevi foi que as medidas avulsas, quer queiramos ou não, tiveram excelentes resultados nos últimos 10 anos.

F. Penim Redondo disse...

Aproveito a referência que me é feita para esclarecer que a minha luta é contra a manipulação e o fundamentalismo.

Eu próprio cunduzo há 43 anos, nunca tive nenhum acidente nem fui multado por excesso de velocidade apesar de ter percorrido cerca de um milhão de kilometros. Não considero que a estrada seja a selva que nos querem fazer crer.

Como detesto os exageros e as modas não tolero que os mortos por acidente rodoviário tenham tratamento VIP na comunicação social quando são menos de 1% do total.

A resposta aos acidentes de viação em Portugal tem vindo a ser equacionada, quer nos meios de comunicação quer nas instâncias do poder, a partir de quatro ideias erradas e mistificadoras:

- Que os acidentes de viação constituem uma das principais causas de morte e são um dos problemas mais graves com que se defronta a sociedade portuguesa.

- Que Portugal apresenta uma sinistralidade anormalmente elevada quando comparada com outros países.

- Que os acidentes resultam quase sempre de velocidade excessiva e que a redução geral da velocidade de circulação seria uma solução sem inconvenientes e eficaz para combater a sinistralidade.

- Que os excessos de velocidade, e as suas "inevitáveis" consequências, são a demonstração irrefutável da irresponsabilidade e falta de civismo da generalidade dos cidadãos automobilistas.

Os cidadãos terão que se mobilizar para reverter esta situação e forçar a adopção de uma atitude racional na busca de soluções para a prevenção dos acidentes.