quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Um só post

O Procurador-Geral da República foi ouvido ontem na Assembleia da República sobre a questão das escutas telefónicas, na sequência das declarações que deu ao semanário Sol onde afirmava achar que "as escutas em Portugal são feitas exageradamente" e confessou: "Eu próprio tenho muitas dúvidas que não tenha telefones sob escuta. Como é que vou lidar com isso? Não sei. Como vou controlar isto? Não sei. Penso que tenho um telemóvel sob escuta. Às vezes faz uns barulhos esquisitos".
Logo no dia seguinte, abri a Janela aos comentários da blogoesfera, que não se cansou de ironizar à volta dos barulhos esquisitos.
Deixei de fora, no entanto, o post mais relevante que li sobre a matéria, aquele que, escrito por alguém que está profundamente por dentro do meio da justiça, sabe do que fala e sabe como fala. Deixei de fora porque sabia que mais tarde ou mais cedo faria sentido trazê-lo à antena com calma e com disponibilidade para todos os ouvirmos. Seria agora, depois do PGR ir à Assembleia.
Porque vale mesmo a pena perceber os contornos do caso, aqui vai, então, na íntegra, o que sobre esta matéria escreveu Vieira do Mar no blog Controversa Maresia: “As polémicas declarações de Pinto Monteiro devem ser entendidas à luz de um pequeno pormenor de que muitos parecem estar a esquecer-se: o senhor é juiz de carreira, não é procurador. O que faz toda a diferença. Tradicionalmente, estas duas magistraturas opõe-se, chateiam-se mutuamente e não se gramam nem um bocadinho. Os juízes, não suportam ter procuradores à perna que lhes controlam a toda a hora a legalidade das decisões (…), nem lhes perdoam que, no final de um curso que é conjunto, aqueles tenham optado deliberadamente por uma carreira no Ministério Público, assim desdenhando da suposta superioridade social e profissional da magistratura judicial. Os procuradores, por sua vez, não gostam de ser mandados nem de estar sujeitos aos caprichos e à agenda dos juízes com quem trabalham, sendo que muitos se arrependem mais tarde de não terem seguido a judicatura, pois assim poderiam, eles próprios, mandar mais (e ganhar mais). Pinto Monteiro é alguém a quem foi dada a chave de uma casa de cujos ocupantes não gosta - ou dos quais, no mínimo, desconfia - e que naturalmente hostiliza. Ele está ali com um fim: o de pôr ordem na dita casa através de uma vassourada valente nos condes e nas marquesas, e através do controlo que pretende exercer sobre os procuradores e as polícias de investigação em geral. Fala, publicamente, não como um Procurador-Geral, mas como um juiz, ou seja, fala com a arrogância e o desprendimento próprios de quem sempre gozou de irresponsabilidade no exercício da sua função de mandar (no fundo, uma atitude ou uma forma de estar equivalente àquela a que, na gíria e em tom de brincadeira, chamamos juizite aguda). De uma coisa, no entanto, desconfio que não poderemos vir a acusá-lo: de corporativismo. Eis um PGR que não parece especialmente interessado em defender os interesses da classe - quanto mais não seja porque esta classe não é a sua.”
E assim, duma só vez, ficamos todos a perceber o que está em causa e por que razão a polémica chegou ontem ao Parlamento. Foi num blog que li. Está lido.

Sem comentários: